2 de dezembro de 2006

Em verdade vos digo

Pela lente desfocada
Da minha fraca mediunidade
Adivinhei brancas, de luz,
Duas entidades
Que ao meu leito vieram
Numa dessas noites
Que passei pregado
À mágoa - minha cruz
Por caridade,
Falar do amor
Do seu mestre Jesus
Amigos, pensei,
Com todo o respeito que devo
Às vossas alvas túnicas
Quero lembrá-los que se hoje
Vos falo cínico, crasso
Foi muito a contragosto
Que desci um dia, do espaço
Mas, enfim, já que existo
- coisa dolorosa! –
Esqueçam a pena, esqueçam Cristo
E me tragam Madalena
Não vês que é tanto vinagre
Engolido sozinho
Que outra noite tentei
Aquele milagre mundano
Transformar a mágoa
Em vinho?
Em verdade, amigos,
Em verdade vos digo
Não é carne sem verbo
O amor que persigo
Nem verbo sem corpo
De apenas amigos
Compartilhando a beleza
De rigorosamente nada
Não é harpa de Nero
Nem coroa de espinhos!
Mas é verbo feito carne
Equilíbrio de extremos
No meio do caminho

1 de novembro de 2006

Oito notas misóginas

1- Eu penso nela. Linda. Idealista. Se o rosto dela fosse compartilhado por toda a humanidade, eu partilharia das idéias que ela que tem. Mas somos feios em nossa maioria. Que algum fascismo nos guie o mais assepticamente possível até o fim, sem ruídos. Que as multidões não sejam guiadas por palavras de ordem, mas por um silêncio mortal.

2- Eu não vou disputar os favores e as preferências das fêmeas. Julgava ganha-las sondando-lhes a alma e lhes ofertando a minha inteligência, quando as perdia exatamente pos isso, passando a assumir não sei que indigno papel no imaginário feminino, esquecido que o feminismo é apenas um colar bonito que tiram quando se deitam com o dono do carro. O espaço que eu procurava, esse coube sempre ao imbecil que melhor lhes lembrasse um pai simplório deitado no sofá num domingo de merda, que melhor lhes cheirasse a tudo quanto diziam desprezar. E não importa se é o Faustão que assistem ou se assistem um clipe.

3- Eu não vou me prestar ao jogo da sedução, não vou me ferir e me humilhar de novo participando desse teatro, dessa peça onde todos se pretendem reis e vilões, e que frequentemente é uma comédia encenada por bobos para o prazer de uma boceta que se dá mais valor do que realmente tem.

4- Eu sei que ela trabalhou de forma a fazer com que nos odiássemos, com que nos batêssemos como alces de algum documentário, alimentando seu ego com a luta onde eu dava meu sangue e o melhor da minha alma e ela apenas tomava, intimamente extasiada.

5- Seja homem, dizem. Seja forte. Pra carregar as malas de quem?

6- A fêmea assiste lisonjeada enquanto os machos se batem às cabeçadas, medindo o tamanho dos cornos. Nisso consiste o jogo da sedução. Não quero ser a verde campina, quero ser a paisagem incinerada. Queria ser velho e estar morrendo.

7- Eu quis me aproximar da menina, mas desisti com medo daquela imagem do cara invasivo, inconveniente. Depois a vi conversando alguma bobagem aos risos com um cara invasivo.

Poucas coisas na vida me fazem sentir tanto ódio.

8- Encontrei o pessoal da banda sentado num café na Savassi. Puxei uma cadeira e conversamos. Rimos muito evocando aquele tipo social que costuma lamentar a própria sensibilidade, dizendo que gostaria de ser como as outras pessoas, que sentem menos. Depois formulamos conclusões machistas, rindo às gargalhadas.

Foi uma das conversas mais tristes que eu já tive.

Eixo do mal




Pense em mim
Como uma nação emergente
A construir paciente
A sua bomba,
Enquanto paga os juros
Das suas juras
De botequim.

Pense em mim.
No contrato rompido
E nessa dívida eterna.
Pense em mim
E na linha vermelha
Da relação comercial,
Pesada na balança
Daquela que, de tão equilibrada,
Parece cega, mas traz a espada
Na outra mão.

Pense em mim,
No telefone que não toca,
Declarando a moratória
Das palavras empenhadas,
Moedas sem lastro
Da sua oratória.

Pense em mim
Como uma nação emergente
A construir paciente
A sua bomba,
Enquanto paga os juros
Das suas juras
De botequim.

Pense em mim,
Nesse teu carteado
E na carta invertida,
Arcano menor a revelar
Mulher ruim
Na minha vida.

Pense em mim,
Que vou chegando
À fissura do átomo,
Ao eixo do mal.
E se é bilateral,
Não histeria, demagogia,
Discurso golpista
Com ambição imperial,
Levanta logo essas sanções
Embargando os nossos corações
Que eu quero já a nova ordem.

Pense em mim
Como uma nação emergente
A construir paciente
A sua bomba,
Enquanto paga os juros
Das suas juras
De botequim.

Pense nessa poesia.
Vai aí diplomacia
E amostra enriquecida do minério
No verso a te avisar
Da explosão que vai mostrar
O perigo de manipular
Elemento assim tão sério.
Pense em mim.
Um beijo, meu amor,
Da sua alma a-fim.

Mas pense em mim
Como uma nação emergente
A construir paciente
A sua bomba,
Enquanto paga os juros
Das suas juras
De botequim.

25 de junho de 2006

O caminhante, o caminho e o caminhar


Você está olhando pra coisa errada. Minha dor é maior que perder a namorada, minha dor é me deparar com o nada. Minha dor é maior que estar sozinho, minha dor é o caminhante e o próprio caminho, é o caminhar. É maior que o sentimento, que a consciência do sofrimento. Não é só algo em mim que se ressente, minha dor é quem me sente. Minha dor não está só na crueldade do que você me diz, está no absurdo de relevar e estar feliz. E se por hora a cativo com uma melodia como quem encanta uma fera, sei que quando ela perceber os limites dessa cela seus dentes de afiada raiva vão mastigar e cuspir de novo a minha alma.

Continuar é ser feito de piada, rir é ser reduzido a nada. Qual é o sentido de vencer, se sempre haverá algo mais a superar, qual o sentido de viver, se viver é esperar e esperar pelo quê? Como carregar o vazio depois que eu deixar pra trás o fardo, se a carga são os caminhos passados, se caminhar é voltar ao que eu tenho que deixar?

1 de março de 2006

Lei Orgânica dos Relacionamentos

(Simples!! Fácil! Só a matéria do concurso!)




Dos Princípios Fundamentais:

O poder executivo sanciona o disposto nesta Lei Orgânica, pela qual faz saber, para todos os efeitos, aos particulares interessados em contratar com esta administração relação de amizade, relação erotizada, inimizade erotizada ou não, rivalidade decorrente de conflito ideológico e/ou conflito de interesse envolvendo objeto de afeto correspondido ou não, bem como conversação e outras formas de relacionamento suscetíveis ou não de gerar situação de direito precário ou adquirido junto à administração, incluídas as decorrentes de parentesco sanguíneo, o seguinte:

Art. 1° A verdade é absoluta.

§ 1° A afirmação, pela lei, de que a verdade é absoluta, não implica na crença, por esta administração, de estar na posse da mesma.

§ 2° Tipificam lugar-comum, clichê, bordão e/ou jargão as seguintes orações, feitas isoladamente ou em conjunto:


a) “Você se acha o dono da verdade”,
b) “Por que você não se muda pra tua amada Cuba?”
c) “É você quem sabe o que eu sinto, né?”
d) “A vida ainda vai te ensinar”
e) “O tempo cura tudo”
f) “Você não é o centro do universo”
g) “A fila anda”
h) “O que te falta é serviço”
i) “O que te falta é Jesus”
j) "É só no Brasil"
k) "Isso é inveja"
m) "Eu li na Veja"
n) “O que seria do bem sem o mal?”

§ 3° Também configuram lugar-comum, clichê, bordão e/ou jargão quaisquer enunciados que contenham a expressão "hoje em dia", referentes ou não à juventude e/ou à sociedade contemporânea, ou de sentido equivalente.

§ 4° Em face do cometimento, por ocasião de conversação de natureza passional, política ou filosófica, por particular, ainda que o pessoal de cada um, de lugar-comum, clichê, bordão, jargão, ou de uma sentença da mesma espécie, ainda que a de cada cabeça, enunciada de boa-fé ou com propósito desonesto de atribuir à administração intenção, idéia e/ou sentimento diferentes daqueles guardados pela mesma, o administrador decidirá discricionariamente entre:


a) encerrar a conversa unilateralmente
b) lançar mão de dispositivo defensivo (quando configurada situação de manipulação regulamentada em lei complementar)
c) recomendar ao de cujus a ida a logradouro consagrado pela linguagem popular, onde cabível,
d) educar o particular, quando cabível

Art. 2°. A limitação intelectual e/ou empática de particular não determina a chatisse, arrogância e prepotência desta administração, não importando a crença subjetiva do mesmo com relação a isto.

Parágrafo único. A administração reconhece a possibilidade de estar sendo chata, consciente ou inconscientemente, e/ou inconscientemente arrogante e prepotente, não vinculando aos parâmetros de particular, ainda que de boa-fé, os critérios para medição das possibilidades mencionadas.

Art. 3° Esta administração entende que, independentemente do que entenda, a representação da coisa não é a coisa.

§ 1° Os mortos não sobrevivem na memória.
§ 2° Os vivos não vivem de memória, o que não implica em superação das mesmas, ou, como consagrado vulgarmente, em "bola pra frente" (vide art. 4°).
§ 3° O que é bom é bom, o que foi bom dói.

Art. 4° Em harmonia com o disposto nos arts. 1°, 2°, 3° e 7° desta Lei Orgânica, a administração se dispõem a discutir religião e política, não constituindo assunto viável o desporto de natureza futebolística.

Art. 5° Questionada sobre seu estado de espírito, a administração decidirá, discricionariamente, entre oferecer resposta sincera, ainda que a mesma não fosse sinceramente desejada, não importando o grau de mal-estar social e/ou desagrado suscitado, ou responder com discreto murmúrio acompanhado de aceno de cabeça.

Art. 6° Esta administração abomina o vazio essencial da condição humana e tudo fará para preenchê-lo, não considerando remediadores satisfatórios do mesmo, porque insuficientes, temporários, desviantes ou ilusórios:


a) o trabalho, aqui compreendido na sua função de provedor de mera subsistência,
b) a arte (vide art. 10, alínea s),
c) o mero entretenimento,
d) a psicanálise, quando propositiva de um inviável porque insuficiente "lidar" com o mencionado vazio, hipótese em que o assume como parte integrante da natureza humana e do universo,
e) os narcóticos de qualquer espécie, lícitos ou ilícitos,
f) o sexo, quando utilizado com função narcótica,
g) vetado
h) o desporto

§ 1° A sugestão do enumerado acima por particulares e/ou terceiros à guisa de remédio eficaz para o tormento afetivo e existencial da administração será interpretada como ação passível, de forma culposa ou dolosa, de diminuir e amesquinhar o drama humano.

Art. 7° Ainda que em observando estritamente o disposto no art. 6°, a administração não afirmará como verdadeiras as premissas de natureza espiritualista, embora as assumindo como necessárias ao não exercício exclusivo do escapismo hedonista e/ou do suicídio, ainda que paulatino e inconsciente.

Art. 8° Esta administração não considerará a vida como razão em si mesma para amar a vida.

(n.a.: falhou o legislador ao não acrescentar à redação deste artigo: "embora a vida possa bastar a si mesma, enquanto motivação, para manter, em caráter imperativo, as atividades da administração, ainda que de maneira precária e reconhecidamente transitória, para o que lançará mão de maneiras de fazer-se amar e defender pela administração").

Da Relação Erotizada:

Art. 9°. A particular inteligente, sensível, e que guardar afinidades empáticas com a administração, sendo mulher e atraente (conceito a ser definido em regulamento sujeito a alterações de natureza discricionária), identificando-se com o disposto nos arts. 1°, 2°, 3°, 6º e 8° desta Lei Orgânica, fica avisada que é prerrogativa irrenunciável desta administração a tentativa de erotizar a relação, objetivando o estabelecimento de situação monógama e estável, de acordo com o princípio do poder-dever.

Art. 10. À particular que se enquadrar no disposto no art. 9°, mas não desejar, sob qualquer alegação, contratar com esta administração relação erotizada, monógama e estável, fica expressamente vetado:


a) erotizar de forma instável a relação;
b) a afirmação de que o sentimento é mútuo;
c) o telefonema às 5:00h visando a colocar a administração a par de súbita e angustiante constatação subjetiva de que tudo está errado na vida da particular (com menção subentendida ou expressa a relacionamento afetivo e/ou sexual da mesma);
d) queixar-se junto a esta administração da falta de afinidade afetiva, mental e sexual no seu atual relacionamento, caso haja um, bem como fazer qualquer outra crítica dessa natureza ao seu companheiro (ou companheira, no caso de relação lésbica comprovadamente isenta de qualquer forma de modismo);
e) elogiar junto à esta administração as virtudes da amizade, ainda que a do companheiro(a), sugerindo a superioridade e a pureza da mesma em comparação com os relacionamentos sexualizados (exceção feita à celibatária em comprovado isolamento)
f) apertar a perna do administrador sob mesa alocada em estabelecimento público de natureza boêmia, mormente se acrescentando a este gesto a afirmação do desejo de tirar ao administrador a calça, com os dentes;
g) chutar o móvel supracitado, em qualquer estabelecimento e/ou circunstância, mormente em caso de demonstração, por esta administração, de angústia, ansiedade, confusão e/ou inadiável necessidade de auferir a realidade de situação afetiva junto à particular;
h) afirmar ao arrepio da verdade que a presença da administração no móvel supracitado, em qualquer lugar e/ou circunstância, era, a priori, manifestamente indesejada;
i) afirmar categoricamente tratar-se esta administração de uma daquelas coisas que aconteceram na sua vida para acertar o rumo de algo que estava indo muito errado (vide alínea c);
j) beijar o administrador;
k) Comunicar a esta administração o desejo de "fazer amor" junto a esta instância, ou ainda, segundo expressão consagrada em direito, "dar muito";
l) assumir junto à administração comportamento inequivocamente encantador;
m) adotar junto à administração tom confessional suscetível de conseguir da mesma confiança ou sugerir de maneira subentendida a plena confiança nesta administração (vide alíneas u, v e z para maiores esclarecimentos);
n) oferecer ao administrador substâncias ilícitas, à guisa de satisfação de curiosidade (mormente pela via oral, comportamento que caracteriza a infração descrita na alínea j);
o) alegar falta de coragem para o estabelecimento junto a esta administração de relação erotizada, monógama e duradoura em circunstâncias diversas daquelas definidas na alínea d, alegação assimilada pela administração como afirmação subentendida do desejo de o fazer;
p) afirmar o desejo de ver a administração em exercício pleno de bem sucedido contrato de relação erotizada, monógama e duradoura junto à outra mulher, sob qualquer alegação, afirmação assimilada pela administração como manifestação de indiferença e/ou frieza, conflitantes com os comportamentos descritos nas alíneas a, b, c, d, f, i, j, l, m, n, o, u, e w do presente artigo e, portanto, agravante do potencial danoso e destrutivo dos mesmos;
q) Fornecer esperança à administração, culposa ou dolosamente (vide art. 16);
r) afirmar que tudo vai ficar bem ou o desejo de que assim seja, ao arrepio de qualquer noção de bom senso, afirmação que a administração se reserva ao poder discricionário de caracterizar como ironia, descrita na Lei Complementar da Perversidade e sujeita às mesmas penalidades descritas no art. 13;
s) Sugerir a arte como meio eficaz de depuração dos sentimentos citados na alínea g e no art. 13, alíneas a, b, c, d, e, f, g, h, i, j, k, l, m, n, o, p, q, r, u e v, sugestão que a administração se reserva ao poder discricionário de caracterizar como ironia, descrita na Lei Complementar da Perversidade e sujeita às mesmas penalidades descritas no art. 13;
t) vetado;
u) afirmar que esta administração é a única instância realmente capaz de lhe compreender as dores, angústias, receios e, em última análise, a alma;
v) a afirmação, pela particular, do descrito na alínea u, na presença desta administração ou em sua ausência, a outro ser humano, após te-lo feito a esta parte, será considerado um ato de manipulação, regrada em legislação complementar e sujeita às sanções descritas no art. 13;
w) Contratar com esta administração passeios, acampamentos, noites em torno de fogueira, visitas a museus e centros culturais, idas ao cinema, shows e demais atividades a que esta administração possa atribuir segundas intenções, ainda que as suas próprias, de acordo com o seu poder discricionário;
x) a menção, na alínea w, a acampamentos, noites em torno de fogueira e shows incorre em agravante caso as referidas atividades tenham como trilha musical Mutantes, Raul Seixas, Legião Urbana, Chico Buarque, Adriana Calcanhoto e outras composições de alto teor melancólico passivo, regrado este em dispositivo legal próprio, segundo critérios técnicos;
z) constitui-se em sério agravante das infrações descritas nas alíneas l, m, n, u e v do presente artigo a afirmação, pela particular, de que a administração "não é nada" e/ou "não é ninguém" no que diz respeito à capacidade de compreendê-la.


§ 1° O aviso prévio pela particular de falta de interesse, sob qualquer alegação, de contratar com esta administração relação erotizada, estável e monógama, não importando a ênfase deste aviso, fica anulado na ocorrência ou reincidência dos comportamentos descritos nas alíneas a, b, c, d, f, i, j, n, o, u, e w.

(n.a.: estabelece a boa doutrina e, de maneira recorrente, a jurisprudência pessoal desta administração, que subentendidos jamais serão transformados em mal-entendidos, de modo que, neste caso, a lei não retroagirá beneficiando o réu).

§ 2° A alegação de estado alterado de consciência, ou, segundo expressão consagrada, chapação, obtida por quaisquer meios, lícitos e/ou ilícitos, nunca e jamais, em nenhuma circunstância e em hipótese alguma, será considerada atenuante dos comportamentos descritos nas alíneas a, b, c, d, f, g, i, j, n, o, q, u, v, w e z, não anulando o primeiro parágrafo do presente artigo e, mais ainda, constituir-se-á em agravante das sanções enumeradas nas alíneas do art. 13, quando aplicáveis.

Art. 11. A particular que se enquadre no disposto no art. 9° fica dispensada de apresentar à administração qualquer motivação para a negativa de contratar com a mesma relação erotizada, estável e monógama, mas, se o fizer, fica obrigada à comprovação do motivo apresentado e a comportamento coerente para com o mesmo, sob pena de sujeitar a administração às penalidades enumeradas nas alíneas do art. 13.

Parágrafo único. Na hipótese de não apresentação pela particular de motivação para a negativa de contratar com a administração relação erotizada, estável e monógama ou de aquela alegar motivação comprovada e apresentar comportamento coerente, a administração fica sujeita às penalidades enumeradas nas alíneas do art. 13, por constituírem as mesmas uma prerrogativa irrenunciável e intransferível da administração.

Art. 12. A administração evocará, em sua defesa, no caso do cumprimento integral de profecias auto-realizadoras impostas pela particular à administração, direta ou indiretamente, em especial no que tange ao seu próprio comportamento emocional e possíveis desdobramentos danosos do mesmo, tais como ataques verbais kamikazes de natureza irônica e sombria à particular e/ou terceiros de boa-fé, que deste advenham, o princípio da inexigibilidade de conduta diversa em semelhantes circunstâncias.

Das Penalidades:

Art. 13. Esta administração será penalizada pela ocorrência dos comportamentos enumerados nas alíneas do art. 10 e nas situações descrita nos arts. 11, 12, 14, parágrafos 2° e 3°, 15 e 16 com as sanções seguintes, não excludentes de outras previstas em lei:

a) Mágoa
b) Revolta
c) Solidão
d) Comportamentos auto-destrutivos
e) Depressão
f) Pensamentos suicidas recorrentes
g) Isolamento
h) Saudade
i) Desinteresse por assuntos profissionais
j) Privação afetiva e/ou sexual
k) Niilismo
l) Baixa auto-estima
m) Raiva
n) arrependimento, mortal ou não
o) Sentimento de exílio de um plano paradisíaco original
p) Rancor
q) Culpa
r) Ciúme
s) Produção musical, poética e literária de qualquer natureza (vide art. 10, alínea s).
t) Sentimento doloroso de comparação com contratante preferencial da particular (vide alíneas b, l e r do presente artigo e o disposto no art. 15)
u) Sentimento de logro, engano e manipulação.
v) Sentimento de dissolução no caos e no absurdo, caracterizado pela flutuação arbitrária de imenso peso em meio a infinidades de nada.

Parágrafo único. Objetivando a uma completa prestação de contas junto aos diversos segmentos e universos formadores de sua psique, conscientes ou inconscientes, nos seus variados momentos e fases, os quais lhe compete administrar, ainda que sejam estas instâncias portadoras de interesses antagônicos, a administração se submeterá às alíneas enumeradas no presente artigo, ainda quando contraditórias entre si, constituindo-se esta contradição numa penalidade em si mesma.

(n.a.: Esclarecemos, a respeito do disposto nas alíneas f, k, n, o e v do art. 13, que os dispositivos ordenadores das relações de ordem afetiva decorrem, de forma vinculada, da legislação que estabelece, em instância superior, os princípios filosóficos e existenciais da administração.

Entretanto, a comprovada refutação destes últimos pelos primeiros, na práxis, é determinante da anulação dos referidos parâmetros primordiais, caso em que dispositivos a princípio banidos da legislação, tais como o auto-extermínio, retomam a validade.

O extremo suicida é amplamente discutido pelo poder legislativo como forma de salvaguardar os princípios básicos da administração, na hipótese de estes não encontrarem sustentação em instância preexistente e sobrevivente à ela. Como muito bem enunciado pelo ilustre jurista, o Dr. João Alberto das Dores de Palácio e Câmara: “tais princípios são irrenunciáveis, ainda que na hipótese de não correspondência dos mesmos com realidade macro-cósmica estabelecida a priori por forças e razões inalcançáveis pelo legislador”.

Curioso notar, entretanto, que a necessidade, pelo poder legislativo, de estabelecer tais premissas como básicas e a elas vincular os princípios primordiais da administração e, consequentemente, os dispositivos ordenadores das relações afetivas, parte da percepção de que tais premissas emanam, exatamente, de realidade estabelecida a priori por forças e razões inalcançáveis pelo legislador, assim como esta determina a necessária vinculação, donde decorre a advertência aparentemente contraditória de que tais princípios são “irrenunciáveis, ainda que impraticáveis”.

É de se questionar o porque de o legislador assim proceder, garantindo à administração a prerrogativa da auto-aniquilação em caso de falência dos princípios que tornam a si mesmos irrenunciáveis, em face da confirmação inequívoca de “cosmovisão pessimista” por processo de experienciação reincidente de malogro afetivo, uma vez que sua necessidade se assenta neles mesmos e mais fácil seria, como sugerem alguns míopes juristas, revogar os dispositivos das instâncias inferiores, ao invés de, como interpretam erroneamente, a eles submeter os superiores.

Tal inversão de valores não se dá. O fato é que, se é irredutível a realidade, o é também, posto que extensão sensível do organismo desta mesma estrutura, o sentimento igualmente real e igualmente irredutível de repulsa à inviabilidade de sua própria realização, o qual se constitui em gerador de constantes e dolorosos atritos e insolvíveis conflitos de ordem emocional. Da ausência do direito decorre, pois, neste caso, o direito, dando-lhe ainda a prerrogativa da auto-executoriedade).


Da Amizade:

Art. 14. Serão considerados:


a) bons amigos: aqueles seres humanos que se dispuserem a ouvir a respeito dos insucessos afetivos, existenciais e profissionais da administração, bem como as angústias da mesma e demais sentimentos, incluídos os enumerados no art. 10, alínea g, e nas alíneas do art. 13, ressalvadas as hipóteses de indisponibilidade dos mesmos por impossibilidade física, grave desordem social e catástrofe natural.
b) melhores amigos: aqueles seres humanos que se dispuserem ao descrito na alínea a deste artigo por mais de uma vez, ressalvadas as hipóteses de indisponibilidade dos mesmos por impossibilidade física, grave desordem social e catástrofe natural.


§ 1° tais seres humanos adquirem direito de comportamento recíproco por parte da administração.

§ 2° São expressamente vetadas ao ser humano que se enquadre no disposto no art. 9° desta Lei Orgânica as funções enumeradas nas alíneas a e b do presente artigo, ainda que preenchendo os requisitos das mesmas, e, especialmente, em os preenchendo.

§ 3° Os seres humanos não estão obrigados a apresentar motivação para a negativa de se enquadrarem no disposto neste artigo, mas, se o fizerem, ficam obrigados à comprovação do motivo apresentado e a comportamento coerente para com o mesmo, sob pena de sujeitar a administração às penalidades enumeradas nas alíneas do art. 13.

Da Rescisão Contratual:

Art. 15. A administração será responsabilizada pela ocorrência de abuso da regra três, mencionada em peça clássica do cancioneiro nacional, ocasionando este ou não a rescisão unilateral de contrato por parte da particular contratante com esta de relação erotizada, monógama e estável e sujeitar-se-á, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, ao disposto no art. 13.

§ 1° A não exigência, por parte da particular supracitada, em caso de justificável rescisão contratual, da indenização disciplinada no parágrafo segundo do presente artigo, não implica em liberação do administrador que, agindo com culpa ou dolo, dê razão a mencionada rescisão, devendo este, portanto, submeter-se às penalidades enumeradas nas alíneas do art. 13.

§ 2° São prerrogativas intransferíveis da particular prejudicada em seus direitos contratuais, de forma culposa ou dolosa, pelo administrador, segundo dispositivo disciplinado em peça clássica do cancioneiro nacional, festejar:


a) o sofrer desta administração,
b) o seu penar


§ 3° A manifestação do comportamento descrito nas alíneas a, b, c, d, f, i, j, l, m, n, o, u, e w do art. 10, por parte de particular enquadrada nas disposições do mencionado artigo, não exime o administrador que, agindo culposa ou dolosamente, dê causa à rescisão unilateral de contrato pela particular que se veja prejudicada em seus direitos contratuais junto à administração, do cumprimento integral do enumerado nas alíneas do art. 13, quando cabíveis.

§ 4° Constitui ato de improbidade administrativa, punível de acordo com o disposto no art. 13 desta Lei Orgânica, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, o telefonema do administrador à particular a que se refere o presente artigo, mormente estando a mesma em nova situação jurídica, caso em que é prerrogativa inalienável da particular pedir ao novo contratante de relação erotizada, monógama e estável junto à sua estância que comunique à esta administração, ainda que de má-fé, a sua ausência naquele momento.

(n.a.: a inclusão deste parágrafo visa a coibir a incidência, pela administração, no que em direito se consagrou chamar de RES PATETICA).

§ 5° Uma vez rescindido o contrato pela particular, de comum acordo ou unilateralmente, por razão justificada ou não, fica-lhe expressamente vetado o exercício, junto a esta administração, das funções mencionadas nas alíneas a e b do art. 14.

Da Esperança:

Art. 16. Entende a administração que a particular incorre no fornecimento, malicioso ou não, de “esperança”, quando:


a) Expressa o desejo de ser possuidora de coragem o suficiente para contrair relação erotizada, estável e monógama junto a estância que melhor a ela se nivele, apontando esta administração, de maneira inequívoca, como exemplo na tipificação da situação afetiva por ela desejada;
b) Utiliza, para referir-se ao titular de relação estável e monógama, erotizada ou não, junto à sua estância, os termos: “insensível”, “imbecil”, “operário-padrão” e outros suscetíveis de passar a mensagem de falência iminente da relação;
c) Mantém junto à administração, eventualmente, princípios de relação erotizada, ainda que instável, estando ou não o titular no quarto ao lado;
d) Pede ao administrador que aguarde o período necessário para alegada ordenação de sentimentos e/ou pensamentos ou para superação de fase, principalmente se, mediante tal alegação, a administração faz saber expressamente à particular tipificar a mesma “esperança”.
e) Revela junto à administração a eminência do desejo de que esta a leve para longe da situação atual, principalmente se, mediante tal afirmação, a administração faz saber expressamente à particular tipificar a mesma “esperança”;
f) Confidencia à administração o fato de que esta está a lhe minar as atuais estruturas e disposições.


§ 1° Fica expressamente vetado à particular que incorrer em comportamento enquadrado em uma ou mais das alíneas do presente artigo e/ou nas alíneas a, b, c, d, f, g, i, j, n, o, q, u, v, w e z do art. 10 a afirmação de que jamais forneceu à administração qualquer esperança.

§ 2° Fica expressamente vetado à particular que incorrer em comportamento enquadrado em uma ou mais das alíneas do presente artigo e/ou nas alíneas a, b, c, d, f, g, i, j, n, o, q, u, v, w e z do art. 10 a adoção de fachada social típica de mulher perseguida por elemento irracional e obsessivo, fachada esta suscetível de tornar qualquer elemento irracional e obsessivo em semelhantes circunstâncias (vide art. 12).

§ 3° A particular que adotar comportamento de má-fé diante da afirmação por esta administração de que a mesma lhe forneceu esperanças ao adotar comportamento enquadrado em uma ou mais das alíneas do presente artigo e/ou nas alíneas a, b, c, d, f, g, i, j, n, o, q, u, v, w e z do art. 10 e/ou adotar fachada social típica de mulher perseguida por elemento irracional e obsessivo imputa em delito disciplinado na Lei Orgânica da Manipulação e na Lei Complementar da Perversidade.


Da Administração Indireta:


Art. 17. O contato com o mundo externo se dará através de órgãos da administração indireta.

§ 1° A administração indireta será responsabilidade de um comitê ministerial de pensamentos formados por:


a) um biológico, ao qual cabe administrar questões relativas à subsistência;
b) um policial, recrutado entre as noções de conveniência, ao qual cabe reprimir dolorosamente a manifestação do desejo, da raiva e da saudade;
c) um social, recrutado entre os lugares-comuns, ao qual cabe fingir a aceitação da diversidade humana e do presumido valor em si mesmo da vida, bem como o elogio do esforço alheio diante da adversidade


§ 2° A administração direta será exercida pelo monarca ao qual cabe, entre outras obrigações, as seguintes:


a) prestar tributo a bandeiras negras hasteadas a meio-palmo;
b) ser quem realmente é;
c) amar a quem realmente ama;
d) lamentar profundamente;
e) desejar ardente e dolorosamente;
f) odiar ao que realmente odeia;
g) manter contato com as verdadeiras bases do governo;
h) definir a comparação entre o que é e o que deveria ter sido;
i) definir o estado de sítio e a necessidade do suicídio;
j) sentir a mesma dor de sempre, não importando o local, ocasião ou conveniência;
k) sentir indefinível saudade de algo desconhecido;
l)resguardar parâmetros de satisfação e felicidade;
m) a vida na sombra


Registre-se. Publique-se. Cumpra-se.

25 de janeiro de 2006

E ela?

Em algum dos meus registros, em alguma das minhas formas de consciência, que não sei bem precisar, eu sinto que estou distante, que retrocedi, que perdi. Vejo pessoas e situações dobrando uma curva na estrada. Saudades. Uma tristeza fria, quase sólida. Culpa. Pros que sabem do que estou falando, sinto como se perdesse Capela pela segunda vez, metafórica ou não.

Não sei precisar as coordenadas desse lugar em mim.

Tanta beleza delicada que eu destruí. Será que eu sei a extensão dos danos? Que consigo medir? E quantas voltas ao que sou e ao lar frustraram em mim? Por que anunciar assim o retorno do que agora volta a não existir? Rancor.

Nós dois estamos mortos. Matei aqueles dois. O casal adorável. E agora você entende a distancia que eu guardava e seus olhos ainda brilham, mas menos. E ela? Entendo que você me faça essa pergunta, com ironia. Ela disse que reza por mim. À distância.