22 de janeiro de 2011

Novo blog

Agradeço a todos os que me acompanharam aqui e informo que continuarei postanto no meu novo blog:

http://sentimentosinuteis.blogspot.com

16 de abril de 2009

Flor, te alimenta

Dou à treva seres que empurro
De volta pra dentro
Pra não encarnar sentimentos
No corpo aleijado de palavras
De versos desbotados
Sobre mágoas normais
Que vão passar
Nem sentir sentimentos
Que são coceiras cínicas
na ponta do membro amputado
Ou visita que trouxe presente
Sem saber que o aniversariante morreu
E que eu tenho que receber.

Flor, te alimenta.

Eu cobro de uma gerência qualquer
O direito que tenho a sensação vaga de ter
Sobre o preço pago por um utilitário fundamental
Que não sei pra que serve,
Mas veio diferente do modelo que nunca vi
E que sou eu e a minha vida.

E a gerência não vem.

E eu me cansei de enviar estes ofícios
Sobre mágoas normais
Que vão passar.

Flor, te alimenta.

Estou cansado dos que dizem
Que eu entortei a mercadoria
Que não encomendei
E que tenho que pagar
E que era a própria régua.

Flor, te alimenta.

Estou parado na beirada da prisão
Que ninguém diz se é obra de seres inteligentes
Ou construção do vento
Em fotografia imprecisa feita por sonda
Que pousou em um planeta distante,
O nosso.

Estou parado nas bordas
Da prisão que ninguém vigia
E não atravesso
Porque depois é escuro...
Nascer é ser exilado.

Flor, me liberta.

Ah, que raiva de ser humano...
Flor, me liberta.

22 de dezembro de 2008

Inconveniente

Às vezes eu me sinto como se eu tivesse escolhido na lista telefônica alguém que nunca me dirigiu uma palavra sequer e estivesse me dedicando a encher-lhe o saco, mas então repasso as minhas memórias recentes e fico sem entender em que momento passei a ser um estranho.

29 de outubro de 2008

Viadinho emo se suicida após brincadeira bem-humorada

Agência Róiters

Incapaz de tolerar a liberdade alheia, um emozinho bicha disparou contra a própria cabeça após inocente brincadeira de garota, que já teria feito o mesmo com dezenas de outros rapazes, os quais, psicologicamente saudáveis e machos pra valer, levaram na esportiva e declararam que "mulher é assim mesmo".

“No começo, eu senti revolta e cheguei a tentar entender o porque da piada, mas depois percebi que estava querendo mudar o jeito de ser de outro ser humano”, conta Simon, também alvo da travessura. “Com o programa de 10 cambalhotas em cima de brasa chupando cana e assobiando, aceitei que eu sou responsável pela minha vida e que os outros só podem me atingir se eu permitir, a menos, é claro, que você seja mulher e tenha sido estuprada ou agredida. Aí a culpa é do outro, sim”.

Segundo análise da voluntária do grupo de desumanização do shopping Dantas Mall, Sandra Moreira, há entre os jovens um grupo que não assimilou o pragmatismo da sociedade de consumo nem herdou a galhardia dos antigos cafas, desconhecendo que "a verdade é meu dom de iludir" e não dispondo, portanto, de senso de humor ou auto-defesa básica. “São jovens superprotegidos carecendo de boas doses de superficialidade e frieza”.


- Especialistas -

Especialistas explicam que o suicídio foi, na verdade, um ato de agressão não-realizado contra a vítima brincalhona, caracterizando-se, portanto, como crime de gênero. A garota, bem-resolvida, recupera-se bem do tiro machista que o rapaz problemático deu em si mesmo e diz que não aceita a culpa patriarcal pelo ato do doentinho emo e promete prosseguir com a pilhéria faceira de adolescente.

"Eu trabalhei a mente e os sentimentos dele por meses. Lia seu blog para saber que fragilidades explorar. É uma disputa normal entre as meninas aqui e eu dei o meu melhor", conta Jeniffer, acrescentando ainda que se assustou com os desvios de possesividade machista do viadinho emo quando ele escreveu no MSN que sentia falta dela e gostaria de vê-la pessoalmente. “Mas estava muito perto para voltar atrás. O segredo é descobrir o que falta ao outro e fingir oferecer-lhe isso”, completa, mostrando orgulhosa o último poema que o jovem lhe enviara por e-mail.

A palavra "ética" aparece com frequência perturbadora no blog (ambiente digital de autocomiseração) da bichinha mimada, revelando alto grau de intolerância. O verbete só perdia para "respeito", termo indicador, por sua vez, de baixíssimo nível de resistência à frustração. “Nada que uma ou duas analistas boas não resolvessem mediante preços módicos em qualquer consultório do baixo-meretrício”, garante Sandra. “Na falta de interiorizar a frieza a nível simbólico, o machista possessivo inseguro e mal-resolvido buscou a frieza do túmulo a nível concreto, o que é uma lamentável perda para o mercado de consumo em geral, com exceção do segmento funerário”.

No que depender de Jeniffer, o setor continuará aquecido.

23 de julho de 2008

Objetos Identificados


Assim rimando eu vou regando uma flor
E cultivando essa flor.

E pra alimentar essa flor
Enterro objetos guardados
Da cenografia das minhas memórias,
Os reflexos que maquiaram estradas
Que interpretaram vias de luz,
Tons que vestiam por dentro
O ir de carro com meus pais,
À noite, por auto-estradas,
Jardins de luzes de gás,
Procurando as luzes
Das naves espaciais,
Procurando fadas modernas,
Aeronaves espaciais.
Enterro fragmentos de objetos
Que atravessaram portais
Estampados nas saudades
Que se vestiam, estreladas,
De heranças siderais.
Coisas guardadas em caixas
Com objetos que identifiquei.
Pedaços de luzes e naves
E fadas que encaixotei.

E alimento essa flor
Com oferendas deixadas no asfalto,
Com objetos identificados
Do menino do espaço
Que vestiu ásperas texturas
De sons que se arrastam no umbral,
O menino do espaço que aprendeu
A vestir armaduras de metal,
Mas te abraçava e encontrava
Na sua presença um dos seus,
Conterrânea exilada
Dos espaços siderais,
E no seu abraço um pedaço
Das luzes das naves espaciais,
Reflexos tortos das luzes
Dos aeroportos astrais.
Sentimentos inúteis, natimortos.
Raízes fundas demais.

Assim rimando eu vou regando uma flor
E cultivando essa flor.

E pra alimentar essa flor
Represo águas passadas:
Janelas que se abriram
Sem que um lá fora existisse,
Abraços que apagaram,
Com tudo que você disse,
Estar a pé no asfalto nu
E ouvir que escolhi essa estrada,
E te acusar de jogar
Com setas adulteradas.
Encontrar no florir desse ser
Uma forma de não esquecer
Que pudesse ser carregada.
E vou cultivando essa flor
Que ao represar silencia
A dor que assim cresce e floresce
E faz melhor e mais útil mal
Que navalha ou poesia.

E vou regando essa flor
Com os retalhos das asas sem céu,
Com matérias rasgadas de jornais
Que ficaram por escrever
Em páginas policiais
Com o papel que te neguei.
E ao negar fui regando essa flor
E eu rego a flor todo dia
Porque não posso explodir
E implodo o seu florir.
E vou enterrando as luzes
Das aeronaves espaciais
Pra alimentar essa flor
Com os pedaços das naves astrais,
Com os cristais rachados
Dos abraços demorados, sublimes
E não tão sublimados,
Que não damos mais.

E de você me faltando
Eu vou regando esta flor.

E vou chamando essa flor
E regando e alimentando essa flor
Que em cor escura, ao florescer,
Fará a dor refugiada aparecer
Radiografada em novo ser.
Essa flor invertida
É a forma traduzida de dizer
Que as luzes passaram
E as naves se revelaram
Reflexos no retrovisor.
Meu amor,
É inútil odiar e rimar
E eu me calo a germinar
Esse fruto de escura cor.
O isso que o verso reduz
A “amor que não pode ser”
Traduz no corpo o que o verso
Perverte em jargão e clichê,
Que morre no tolo rimar,
Mas vive em adoecer.

Essa flor não é arte.
A arte é pegada do ser que desceu
À treva analfabeta no fundo do eu,
Mágoa bruta mergulhada no breu
Onde não há flor, nem ser
(Nem breu), com restos
De objetos identificados
Que não eram estradas, nem naves,
Nem luzes, nem cristais,
Mas algo mais que não veio,
A não ser nos abraços
Que não damos mais,
E ali jaz,
Luz morta que alimenta
A raiz da flor cinzenta
Do meu mudo jardim,
A florir de volta pra dentro,
No escuro centro de mim,
O que abriu nas noites
De primavera enganada.

Eu não estou escrevendo um poema,
Nem estou cultivando uma flor.

Palavras não adiantam,
Estão germinando
Enterradas.

16 de julho de 2008

Soneto ao abafamento da operação Satiagraha

Aprende, delegado, o estranho ofício
Do cão treinado a não encontrar,
De veneno de veneno separar, e apontar
Apenas do menos letal o indício.

Ah, policial, cuidado ao latir!
Deves indicar o mal menos nocivo
e guardar, federal, teu distintivo
Diante de um mais alto pedegree.

Lembra, policial, da sua coleira
E procede desta estranha maneira:
Investiga, mas não traz tudo ao claro.

Segue do delito a suja trilha,
Mas detem-te às portas de Brasília.
Escolhe bem aonde por teu faro!

Soneto ao afastamento do Dr. Queiroz

(Soneto ao afastamento do delegado Protógenes Queiroz das investigações sobre a rede de corrupção de Daniel Dantas)


Por breve momento, julgamos estar encarnados
E corremos em direção ao mundo, para o tocar,
Mas novamente vemos: somos vultos a vagar
Num plano que não é nosso, encarcerados.

Corremos em direção aos vivos, para os agarrar,
Mas nossas mãos atravessam-nos, imateriais, 
Enforcam o ar. Tentamos uma vez e outra mais.
Praguejamos. Os vivos a ninguém ouvem gritar. 

Do mundo dos mortos, porém, nos afligíamos
Por quem parecia poder tocar o que só víamos.
Está ele agora aqui conosco. Já não tem voz.

Transferido foi para o plano onde estamos,
Pelos vivos que inutilmente assombramos.
Bem-vindo às sombras, doutor Queiroz!

21 de abril de 2008

Ao fracassado convém

Ao fracassado convém se convencer de que a grama do outro só é mais verde porque vista daqui. Ao fracassado convém achar que só a idealização faz parecer que o posto almejado era melhor.

Aceitar o fracasso é provar em boca alheia o contra-gosto da uva, o gosto invertido da uva saborosa (é sim). Esse veneno que – Deus queira – vai te matar de câncer, e rápido. Só assim se conhece o verdadeiro sabor do fracasso, da rejeição.

Ao fracassado convém crer que só perdeu aquilo que idealizou. Que a uva nem existia.

O fracassado até pode evitar o não-sabor da uva, engavetando essas considerações, ao invés de emoldurá-las na alma. O que ele não pode é desconhecer essa verdade. O que ele não pode é negar fé ao documento.

Ao fracassado convém transcender a luta, psicanalizar a uva. Ao fracassado convém achar que o fracasso é ilusório, por mais que a vitória do outro seja real e (hum...) uma delícia!

Ao escritor de livro de auto-ajuda convém vender ao fracassado. Escritor de livro de auto-ajuda adora dizer que a uva não é tudo, que existe pêra, maça, amora, banana-nanica, banana-sofisma. Se bobear, tenta inclusive emplacar que o vencedor foi quem ficou com o abacaxi. Filosofia barata se compra a quilo, mas a verdade é que a uva não é uva, é metáfora, é a própria fruta. E que a fruta – que também não é fruta - poderia ser qualquer uma delas, mas acabou.

Ao fracassado convém achar que a vida continua. E continua mesmo, a desgraçada. A uva é que não.