23 de julho de 2008

Objetos Identificados


Assim rimando eu vou regando uma flor
E cultivando essa flor.

E pra alimentar essa flor
Enterro objetos guardados
Da cenografia das minhas memórias,
Os reflexos que maquiaram estradas
Que interpretaram vias de luz,
Tons que vestiam por dentro
O ir de carro com meus pais,
À noite, por auto-estradas,
Jardins de luzes de gás,
Procurando as luzes
Das naves espaciais,
Procurando fadas modernas,
Aeronaves espaciais.
Enterro fragmentos de objetos
Que atravessaram portais
Estampados nas saudades
Que se vestiam, estreladas,
De heranças siderais.
Coisas guardadas em caixas
Com objetos que identifiquei.
Pedaços de luzes e naves
E fadas que encaixotei.

E alimento essa flor
Com oferendas deixadas no asfalto,
Com objetos identificados
Do menino do espaço
Que vestiu ásperas texturas
De sons que se arrastam no umbral,
O menino do espaço que aprendeu
A vestir armaduras de metal,
Mas te abraçava e encontrava
Na sua presença um dos seus,
Conterrânea exilada
Dos espaços siderais,
E no seu abraço um pedaço
Das luzes das naves espaciais,
Reflexos tortos das luzes
Dos aeroportos astrais.
Sentimentos inúteis, natimortos.
Raízes fundas demais.

Assim rimando eu vou regando uma flor
E cultivando essa flor.

E pra alimentar essa flor
Represo águas passadas:
Janelas que se abriram
Sem que um lá fora existisse,
Abraços que apagaram,
Com tudo que você disse,
Estar a pé no asfalto nu
E ouvir que escolhi essa estrada,
E te acusar de jogar
Com setas adulteradas.
Encontrar no florir desse ser
Uma forma de não esquecer
Que pudesse ser carregada.
E vou cultivando essa flor
Que ao represar silencia
A dor que assim cresce e floresce
E faz melhor e mais útil mal
Que navalha ou poesia.

E vou regando essa flor
Com os retalhos das asas sem céu,
Com matérias rasgadas de jornais
Que ficaram por escrever
Em páginas policiais
Com o papel que te neguei.
E ao negar fui regando essa flor
E eu rego a flor todo dia
Porque não posso explodir
E implodo o seu florir.
E vou enterrando as luzes
Das aeronaves espaciais
Pra alimentar essa flor
Com os pedaços das naves astrais,
Com os cristais rachados
Dos abraços demorados, sublimes
E não tão sublimados,
Que não damos mais.

E de você me faltando
Eu vou regando esta flor.

E vou chamando essa flor
E regando e alimentando essa flor
Que em cor escura, ao florescer,
Fará a dor refugiada aparecer
Radiografada em novo ser.
Essa flor invertida
É a forma traduzida de dizer
Que as luzes passaram
E as naves se revelaram
Reflexos no retrovisor.
Meu amor,
É inútil odiar e rimar
E eu me calo a germinar
Esse fruto de escura cor.
O isso que o verso reduz
A “amor que não pode ser”
Traduz no corpo o que o verso
Perverte em jargão e clichê,
Que morre no tolo rimar,
Mas vive em adoecer.

Essa flor não é arte.
A arte é pegada do ser que desceu
À treva analfabeta no fundo do eu,
Mágoa bruta mergulhada no breu
Onde não há flor, nem ser
(Nem breu), com restos
De objetos identificados
Que não eram estradas, nem naves,
Nem luzes, nem cristais,
Mas algo mais que não veio,
A não ser nos abraços
Que não damos mais,
E ali jaz,
Luz morta que alimenta
A raiz da flor cinzenta
Do meu mudo jardim,
A florir de volta pra dentro,
No escuro centro de mim,
O que abriu nas noites
De primavera enganada.

Eu não estou escrevendo um poema,
Nem estou cultivando uma flor.

Palavras não adiantam,
Estão germinando
Enterradas.

16 de julho de 2008

Soneto ao abafamento da operação Satiagraha

Aprende, delegado, o estranho ofício
Do cão treinado a não encontrar,
De veneno de veneno separar, e apontar
Apenas do menos letal o indício.

Ah, policial, cuidado ao latir!
Deves indicar o mal menos nocivo
e guardar, federal, teu distintivo
Diante de um mais alto pedegree.

Lembra, policial, da sua coleira
E procede desta estranha maneira:
Investiga, mas não traz tudo ao claro.

Segue do delito a suja trilha,
Mas detem-te às portas de Brasília.
Escolhe bem aonde por teu faro!

Soneto ao afastamento do Dr. Queiroz

(Soneto ao afastamento do delegado Protógenes Queiroz das investigações sobre a rede de corrupção de Daniel Dantas)


Por breve momento, julgamos estar encarnados
E corremos em direção ao mundo, para o tocar,
Mas novamente vemos: somos vultos a vagar
Num plano que não é nosso, encarcerados.

Corremos em direção aos vivos, para os agarrar,
Mas nossas mãos atravessam-nos, imateriais, 
Enforcam o ar. Tentamos uma vez e outra mais.
Praguejamos. Os vivos a ninguém ouvem gritar. 

Do mundo dos mortos, porém, nos afligíamos
Por quem parecia poder tocar o que só víamos.
Está ele agora aqui conosco. Já não tem voz.

Transferido foi para o plano onde estamos,
Pelos vivos que inutilmente assombramos.
Bem-vindo às sombras, doutor Queiroz!