30 de julho de 2005

Poema pornográfico

Ganiu a vida:
- Que delicia de brinquedo!
Encorajar com um medo
Um outro medo!
E riu com um prazer a vida,
Quase sexual,
Antecipando o sabor
Da esperança frustrada
Do servo que ainda resiste,
Disse - te provo de novo
Que venço afinal!
Rasteja, animal!
Por que não escreve um verso
Um poema triste
Pra eu te ler na curra?
É mais perverso e eu gosto
Se você luta
Na hora da surra!
Ou prefere que eu leia
Aquela sua carta de amor?
Pra eu te foder, que delícia,
Com imensa dor!

Gritou a alma, enojada:
- Me solta!
Isso! assim! - gemeu a vida
- Mais revolta!
Fala aquilo, vai
Que ela disse pra você!
Ai, tesão, eu gozo
Lambendo decepção!
Assim que eu gosto, chora!
Vem cá agora, escravo,
Chupar minha dura lição!
Quero te ouvir dizer
Por favor isso não!
Mais dor, coração!
Vamos lembrar:
Vocês dois na praça,
Uma canção!

E, babando, disse, medonha,
Rilhando os dentes:
- Anda, sonha!
Pra eu te arrancar pedaço!
Ou vai pensando, lê um livrinho,
Enquanto eu faço!
Me xinga, fala palavrão,
Faz uma oração se preferir!
Eu gosto da presa que chora
Da que briga e me faz rir!
Isso, assim, que saudade!
Que buraco!
Que dor! To quase!

E, estuprada a alma,
Gozou a vida na face
Do que ela tinha de melhor.
Que gostoso! – disse, cachorra,
no rosto da desgraçada,
limpando a porra.
– Sente o gosto da piada!

28 de julho de 2005

O salão da rainha







Eu fui de preto e não pude entrar
No salão da rainha
O salão da rainha é branco
Eu fui de branco e não pude entrar
No salão da rainha
O salão da rainha é negro
Melhor não dizer
Pra não ser barrado outra vez
Mas - cá entre nós –
só eu vi,
entre todos os convidados,
de branco e de preto,
Que o salão da rainha
É xadrez?

9 de julho de 2005

Rei africano

Não é um amor?
Anda comigo, calado.
O meu criado.
Um rei africano
Em trajes barrocos,
Cativado,
Esperando o sinal
Do amo.
Tão educado.
Mas não te iludas.
Reinaria se pudesse.
Se tivesse
Não a virtude
Que admiras,
Hipócrita,
Em marfim, crucificada,
Mas, como o marques,
Teu coração
Aquilo que o fez
Negro,
Escravizado.
E a meu criado
Sobre algo pagão,
Marquesa, eu ensino
Que se esconde
No mundo cristão.
E o português
Pra ele, te ouvindo
Falar do dono
Do seu coração,
Entender:
É melhor ser rei
Que irmão.

2 de julho de 2005

Poema emprestado

Afogou-se em mágoas por pura falta do que fazer
Sem causa e com efeito
Trouxe a dor íntima para a vida social
Estampou na face um pedido de socorro
Que todos fingiram não ver
Estacionou a vida por tempo indeterminado
Deixando fluir só os pensamentos
Quis gritar mas conteve-se
Não estava pronto para ser notado
Chorou quando todos dormiam
Escreveu quando ninguém estava por perto
Sussurrou lamentações consigo mesmo
Foi abordado algumas vezes
...nunca para ter o pedido de ajuda atendido
Questionavam-lhe a vida pacata
Julgavam-lhe vagabundo
Culpavam-no da situação
E ele...
Não podia argumentar
Não podia discutir
A raiva fazia-o engasgar com as palavras
Tropeçar nas idéias
E continuava contendo-se
Abstendo-se
Suportando
Continuava no tédio
No vazio
Na dor
No nada
Continuava com o pedido estampado na testa
Continuava sendo ignorado
Continuava não atendido
Continuava mal-entendido
... Até que não continuou mais

Flavia Nobre